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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Destino (Cecília Meirelles)

Pastora de nuvens fui posta à serviço
Por uma campina tão desamparada
Que não principia nem também termina
e onde nunca é noite e nunca é madrugada
(Pastores da terra vós tendes sossego
Que olhais para o sol e encontrais direção
Sabeis quando é tarde,sabeis quando é cedo,
Eu ,não)

Pastora de nuvens,por muito que espere,
não há quem me explique meu vário rebanho
Perdido atrás dele, na planície aérea
Não sei se o conduzo, não sei se o acompanho.
(Pastores da terra, que saltais abismos,
nunca entendereis a minha condição.
Pensais que há firmezas,pensai que há limites.
Eu,não)

Pastora de nuvens, cada luz colore
Meu canto e meu gado de tintas diversas
Por todos os lados o vento revolve
os velos instáveis das reses dispersas.
(Pastores da terra de certeiros olhos
como é tão serena vossa ocupação!
Tendes sempre o indício da sombra que foge
Eu, não)

Pastora de nuvens, não paro nem durmo
neste móvel prado, sem noite e sem dia,
estrelas e luas que jorram, deslumbram
o gado inconstante que se me extravia.
(Pastores da terra, debaixo das folhas
que entornam frescura num plácido chão
Sabeis onde pousam ternuras e sonos
Eu, não)

Pastora de nuvens, esqueceu-me o rosto
do dono das reses, do dono do prado
E às vezes parece que dizem meu nome
que me andam seguindo, não sei por que lado.
(Pastores da terra, que vedes pessoas,
sem serem apenas de imaginação
Podeis encontrar-vos, falar tanta coisa!
Eu, não)

Pastora de nuvens, com a face deserta
Sigo atrás de formas com feitios falsos,
queimando vigílias na planície eterna
que gira debaixo os meus pés descalços.
(Pastores da terra, tereis um salário
E andará por bailes vosso coração
Dormireis um dia como pedras suaves.
Eu, não)

Antologia Poética de Cecília Meirelles.

Um comentário:

  1. É sempre um prazer revisitar Cecília Meireles. Ainda bem que a trouxe.

    Beijo :)

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